domingo, 24 de agosto de 2014

Novo constitucionalismo latino-americano e o poder de reforma constitucional


(Excerto do artigo "Poder Constituinte e poder de reforma no 'novo constitucionalismo latino-americano': as lições que podemos tirar", publicado na Revista Brasileira de Estudos Constitucionais, 7, 2013)

O chamado “novo constitucionalismo latino-americano” é caracterizado por constituições extremamente filtradas por exigências democráticas. A participação política encontra um conjunto muito grande de canais institucionais para se desenvolver e o pluralismo existente na sociedade é refletido no texto constitucional.

Aqui, incluiremos nesse conceito as constituições da Venezuela, de 1999, do Equador, de 2008, e da Bolívia, de 2009.

Essas constituições – e em especial as de Equador e Bolívia – vão além do tradicional constitucionalismo que campeou na America Latina, de matiz elitista. Além de diversos instrumentos de participação, trazem profunda preocupação com o reconhecimento de povos indígenas e o propósito de fazer um processo de descolonização. 

  Rompem, assim, essas experiências com a nossa tradição política, que é de alijamento da grande massa do processo político-constitucional. No dizer de Gargarella (2011): 

La mayoría de nuestras Constituciones fundacionales –las que senta- ron las bases de las actuales instituciones– fueron producto de un pacto entre elites liberales y conservadoras que organizaron una estructura de poder con- tramayoritaria, claramente opuesta a la intervención masiva de la ciudadanía en política.

A radical preocupação com a legitimidade não faz com que, no plano da Teoria da Constituição rompam esses novos discursos constitucionais com as principais características da teoria do poder Constituinte.  Raquel Yrigoyen Fajado afirma que as constituições de Equador e Bolivia  “proponen una refundación del Estado a partir del reconocimiento explícito de las raíces milenarias de los pueblos indígenas ignorados en la primera fundación republicana, y por ende se plantean el reto histórico de poner fin al colonialismo”. São constituições que trabalham com o pluralismo que marca suas realidades concretas e desenham o Estado como uma instância plurinacional.

No campo da reforma constitucional, as constituições do “novo constitucionalismo latino-americano” veiculam uma especial preocupação com a legitimidade de quem vai ser autorizado a mudar a Constituição. Rompem com as formas de poder de reforma até então comuns nas constituições da tradição do constitucionalismo.

O titulo IX da mais antiga dessas constituições, a Constituição venezuelana de 1999, trata da reforma constitucional e prevê duas formas de alteração do texto, diferenciadas pelo alcance da mudança: a emenda e a reforma. Nos dois casos, há referência à necessidade, ao final, de referendo popular.

O mais interessante, no entanto, é que, nas duas hipóteses de mudança, a Constituição fala em não alterar a sua estrutura fundamental. Sem estabelecer temas vedados, traz, no mesmo título, um capítulo sobre a assembléia nacional constituinte, que seria o meio de alterar substancialmente a Constituição. 

A Constituição do Equador, de 2008, traz três formas de alteração do seu texto: a) a emenda, que não pode atingir um conjunto de matérias, sendo provocada por plebiscito convocado pelo Presidente, por oito por cento do eleitorado ou por um terço da Assembléia Nacional e debatida em dois turnos, com deliberação, no Parlamento, por dois terços de membros; b) a reforma parcial, que não pode atingir direitos fundamentais, sendo convocado pelo Presidente, por um por cento do eleitorado ou por maioria da Assembléia Nacional, tramitando na Assembléia e sendo ratificado, ao final, por um referendo; c) a Assembléia Constituinte, convocada apó s plebiscito, convocado pelo Presidente, por doze por cento do eleitorado ou por dois terços do Parlamento.

Assim, não extinguiu essa constituição o chamado Poder de Reforma como um poder constituído. Na locução de Viciano Pastor e Martínez Dalmau, há uma sombra do poder constituído, o que, na visão deles, não é tão preocupante, uma vez que desse poder constituído foi retirada a possibilidade de alterar um conjunto de matérias e foi inserida a possibilidade da ativação do Poder Constituinte, por plebiscito (2010).

A Constituição da Bolívia regula diferentemente a sua reforma total e a sua reforma parcial (art. 411). Nos dois casos, há a necessidade de referendo posterior, a ratificar a obra do reformador. A reforma total, no entanto, precisa, para acontecer, ser ativada por um plebiscito, que pode ser convocado por vinte por cento do eleitorado nacional, pela maioria absoluta da Assembléia Plurinacional ou pela presidência. No plebiscito, estará em jogo a convocação de uma Assembléia Constituinte, que deliberará por dois terços dos seus membros.

Com essa exigência reforçada de legitimação, o exercício do poder de alterar o texto, mesmo que feito pelo poder constituinte, é relativamente controlável, sem abrir mão da participação popular. Evidentemente que essa tentativa de “domesticar” o Poder Constituinte, com especificidade em cada um dos países citados, não garante que, em momentos de maior acirramento das disputas políticas as partes com maior capacidade de comandar mudanças irão seguir esses caminhos institucionais.

Essa “domesticação” do Poder Constituinte, regulando-o, mesmo que só em sua ativação ou fixando regras para deliberação, pode, também, veicular uma ilusão. No caso boliviano, a exigência de que delibere o Poder Constituinte por dois terços pode ser desconsiderada por uma Assembléia, mesmo que convocada seguindo a forma constitucionalmente tratada. Instalada uma Assembléia, que se considere no exercício do Poder Constituinte, o quorum para a aprovação do seu trabalho final, a Constituição, é um dos seus objetos de deliberação.


Elogiável, em todos esses casos, é a grande abertura para a participação popular direta, por meios de plebiscitos ativadores do Poder Constituinte e de referendos ratificadores de sua obra reformadora. 

2 comentários:

  1. SOLICITO RECTIFICAR error, pues puede parecer plagio. En la Convocatoria del II Seminario sobre Novo constitucionalismo dicen que la afirmación de que las Constituciones de Equador e Bolivia “proponen una refundación del Estado a partir del reconocimiento explícito de las raíces milenarias de los pueblos indígenas ignorados en la primera fundación republicana, y por ende se plantean el reto histórico de poner fin al colonialismo” pertenece a Viciano y Dalmau. No sé de dónde sacan ello, pues tal planteamiento pertenece a Raquel Yrigoyen Fajardo, como puede ver en varias publicaciones previas, como las que siguen: 1) Poder Judicial del Perú: http://www.pj.gob.pe/wps/wcm/connect/b7fa7e004e9db18f82a3ebd847a63738/Congresos+Internacionales+sobre+Justicia+Intercultural+en+Pueblos+Ind%C3%ADgenas.pdf?MOD=AJPERES (p.75) y 2) Libro sobre El Derecho en América Latina: http://www.cesarrodriguez.net/docs/libros/ElDerechoenAmericaLatina.pdf p. 149. FAVOR CORREGIR, PUES SINO PUEDE PARECER UN PLAGIO. gracias, Raquel Yrigoyen Fajardo (raquelyf@alertanet.org)

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  2. gracias Gustavo Ferreira Santos por la rectificación sobre la autoría del texto en el blog. Agradeceré que hagas la misma corrección en el artículo que originó el error, publicado en la Revista Brasilera de Estudios Constitucionales. Como fuente de mi autoría del texto, puedes citar: Yrigoyen Fajardo, Raquel Z. (2011): “El horizonte del constitucionalismo pluralista: del multiculturalismo a la descolonización” En LIBRO: “El Derecho l derecho en América Latina. Un mapa para el pensamiento jurídico del siglo XXI. César Rodríguez Garavito, coordinador. Disponible en:http://www.cesarrodriguez.net/docs/libros/ElDerechoenAmericaLatina.pdf

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